Perguntaram uma vez a uma cigana se ela não gostaria de morar em uma casa. ”Claro”, respondeu ela, ”desde que tenha rodas”. Assim são os Calon, tribo cigana, gente da estrada. Em contraposição a outros grupos sedentários, os Calon resistem à diluição da etnia e não abandonam a vida nômade. Muito antes que os gadjés (não ciganos, em romanês) iniciassem sua própria história, os ciganos já haviam percorrido todos os caminhos do planeta e traçado sua cultura.
Originários da Índia – de acordo com grande número de ciganólogos – os ciganos circulam há aproximadamente 2 mil anos. Sua língua, o romanês, por sua gramática e vocabulário, aproxima-se do sânscrito. Durante centenas de anos foram artesãos apreciados e respeitados em suas primeiras pátrias da Europa Central e Oriental, até que a Revolução Industrial os empurrasse para a marginalidade.
O surgimento da indústria pôs em dificuldade o pequeno artesanato. Muitos artesãos sedentarizados, de origem cigana, vieram engrossar as fileiras dos proletários e dos desempregados. Os que não estavam bem assimilados foram rejeitados por uma sociedade em luta com as dificuldades e progressos da industrialização. O uso crescente das máquinas agrícolas e veículos a motor levaram grande parte dos ciganos a abandonar seus ofícios tradicionais para se colocar como operários ou a procurar empregos sazonais que lhes oferecessem fonte de recursos suplementares. As ocupações mais correntes dos ciganos eram aquelas que melhor respondiam às necessidades reais dos países hospedeiros e forneciam emprego temporário, como metais e madeiras, cestaria e alvenaria. As famílias ou os grupos trabalhavam coletivamente.
Os ciganos reagiram à perda de seus meios de subsistência e à discriminação, fechando-se bastante em si mesmos. Em face da sociedade externa, encontraram apoio em seus laços comunitários e não tardaram em formar um sistema social à parte. Suas roupas, sua fala, seus costumes, tudo os fazia temidos e desprezados. O cristianismo da época não podia tolerar suas magias e sortilégios. Essa rejeição fez nascer nos ciganos orgulho e altivez, a aprender a servir-se da astúcia como arma. Muitas vezes eram punidos com chicotadas, mutilações, escravidão, ou ainda queimados em público como bruxos por sua mera presença nas aldeias, uso da própria língua e vestimentas ou atitudes rebeldes. Bodes expiatórios de todas as culpas, havia um grande rancor contra sua maneira insubmissa de viver.
O povo cigano teve de se proteger criando sua própria sociedade dentro da sociedade ambiente; teve de ditar suas próprias leis e regras morais que cumpriam seguir à risca. A regra de partilha adotada em um acampamento cigano demonstra bem isto, e é uma forma autêntica de democracia. Os rendimentos obtidos pelos diversos membros do acampamento são repartidos por igual, independentemente do trabalho realizado por cada um; quando alguém adoece e não pode trabalhar sua parte continua igual à dos outros.
O extermínio dos ciganos estava incluído no programa da Alemanha nazista. Em fins de 1937, início de 1938, efetuaram-se prisões em massa dos ciganos, e lhes foi reservada uma ala especial no campo de concentração de Buchenwald. Em Ravensbruck, inúmeras mulheres ciganas foram vítimas de experiências realizadas por médicos da SS, sendo esterilizadas 120 meninas ciganas. Trinta mil deles foram deportados para a Polônia e poucos sobreviveram. Alguns historiadores calculam que em torno de dois milhões de ciganos foram mortos por Hitler. O Baro Porrajmos (Grande Consumação), ou o holocausto cigano, é negligenciado de uma maneira geral.
O que há de admirável no povo cigano é sua resistência, sua espantosa resiliência, capacidade de continuar sempre o mesmo em toda parte, seguir seu destino ao longo dos muitos caminhos da história, transmitir novas forças de uma geração para outra e lutar para preservar sua vitalidade, seu impulso criador e a memória de seus antepassados.
Os governos deveriam lhes garantir o direito de estacionamento em todas as cidades, direito de assistência à saúde, alfabetização em sua língua, o romanês, e na língua do país hospedeiro, proporcionando-lhes o ensejo de manutenção de sua cultura. E deveriam assinalar a presença dos ciganos nas artes, nas letras, nos costumes, enfim, na vida tradicional de cada nação.
“Começa o choro da guitarra, rasgam-se as copas da madrugada”… Assim cantou Garcia Lorca em seu “Cancioneiro Cigano”. Não sabemos que caminhos encontrarão os ciganos no futuro. O certo é que os que resistirem ainda cantarão:
“A Terra é minha pátria, O Céu, meu teto, A Liberdade, minha religião”