Há 10 anos, o borracheiro Antônio Cláudio Barbosa foi preso injustamente acusado de cometer uma série de estupros em Fortaleza, no Ceará. À ele, foi atribuído o “apelido” de “maníaco da moto”, pois era em cima de uma motocicleta que o verdadeiro maníaco, armado com uma faca, ameaçava as vítimas nos bairros Porangaba, Maraponga e Vila Peri.
Embora o crime, que foi relembrado no programa Linha Direta, da TV Globo, nesta quinta-feira (26), tenha acontecido em uma cidade que fica a mais de 3.000 quilômetros de São Paulo, foi um perito do interior de Sorocaba (SP) quem ajudou a provar a inocência do borracheiro Antônio, preso injustamente por cinco anos.
José Fernando Cabral de Vasconcellos trabalha como perito forense e também faz perícias independentes. Ele foi convidado pelo Innocence Project Brasil, que atua na defesa de condenados erroneamente pelo poder judiciário, para ajudar na defesa de Antônio. O borracheiro teve sua inocência comprovada por causa de sua estatura.
📏 Como a estatura de alguém pode provar sua inocência?
Ao g1, José Fernando explica que solicitou à equipe de investigação o envio das fotografias do maníaco em cima da moto. Ao analisá-las, selecionou uma, entrou no site da montadora da motocicleta utilizada e anotou a ficha técnica do veículo.
Conforme o perito, com as informações em mãos foi possível obter todas as dimensões da moto, como a altura da roda e do guidão e até mesmo a distância entre os eixos. Por meio de um software, Cabral pôde calcular o comprimento de cada parte do corpo do homem em cima do veículo, chegando, assim, à verdadeira altura do maníaco.
“Eu peguei justamente a medida do aro da moto, que era de 45 centímetros. Como ele estava sentado na foto que eu pedi, alimentei um software com a fotografia e falei ‘olha, essa o aro dessa roda mede 45 centímetros’. Aí, marco a tíbia, o fêmur, o tronco e a cabeça do elemento. Baseado naqueles 45 centímetros que eu alimentei por aquela linha, o sistema fez o cálculo: a tíbia mede tanto, o fêmur tanto, o troco tanto […] Tudo em paralelo com aqueles 45 centímetros”, explica.
“Na proporcionalidade da roda de 45 centímetros, ela é como se pegasse a roda e a tíbia […] a tíbia tem, vamos supor, 52 centímetros. O fêmur tem mais tantos centímetros. O tronco tem mais tantos centímetros. E a cabeça… tudo somado deu um 1,85m”, completa.
José Fernando então solicitou ao defensor público responsável pela defesa de Antônio o resultado do exame do corpo de delito no momento de sua prisão. No laudo, estava a altura do homem: 1,58m, 27 centímetros a menos do que a estatura do verdadeiro maníaco.
“É o documento oficial. No software, eu obtive 1,85m para o verdadeiro maníaco da moto. Então, no laudo eu concluí que o suspeito que vimos no vídeo com a moto não se tratava de Antônio Claudio Barbosa. Não é a mesma pessoa porque ele não tem 1,85m, tem 1,58m. Então, quem está no vídeo, não se trata de Antônio Claudio”, concluiu o perito.
O laudo de uma perícia costuma ser concluído em até 30 dias após o início dos trabalhos. No entanto, segundo José Fernando, a perícia que inocentou Antônio foi concluída em cinco dias e com 98% de nível de certeza.
“Para você chegar à conclusão de uma perícia, você tem que rever aquela conclusão 15 vezes para ter realmente um nível de garantia o mais alto possível. Essa perícia é determinante. É a mãe das provas. Ela é ou não é”, afirma.
Inocente livre
Antônio Cláudio foi acusado pelos crimes hediondos que não cometeu e permaneceu preso por engano durante quatro anos e 11 meses. Ele foi encarcerado em agosto de 2014 e voltou à liberdade somente em julho de 2019, quando a Justiça o inocentou em novo julgamento. Antônio Cláudio era dono de uma borracharia no Bairro Mondubim, em Fortaleza, e não tinha passagens pela polícia.
No dia em que ganhou liberdade, Cláudio foi recebido sob os abraços e lágrimas de alívio dos familiares que o aguardavam do lado de fora do Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), conhecido como CPPL V, em Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza
“Muita coisa que a gente passou junto, minha família, meus irmãos, eu não tenho nem palavras, eu não estou nem acreditando. Pra ser sincero, muita fé eu tive. É muito difícil porque eu não consigo imaginar como pessoas que se consideram seres humanos colocam uma pessoa inocente dentro de um lugar desse aqui onde passei todo tipo de coisa horrível", afirmou Antônio Cláudio, logo ao sair do presídio.
Relembre o crime
O caso ficou conhecido como o “maníaco da moto”. Um criminoso que utilizava uma motocicleta de cor vermelha para abordar as vítimas, ameaçando as mulheres com uma faca e cometendo os estupros nas ruas de Fortaleza.
Uma vítima de 11 anos fez o primeiro reconhecimento de Antônio Cláudio como o agressor e ele acabou preso injustamente.
Mesmo após a prisão de Antônio, os crimes continuaram acontecendo. A liberdade veio após uma ex-namorada do borracheiro procurar ajuda da Defensoria Pública e dos Advogados do Innocence Project Brasil.
Na época, a advogada Flávia Rahal, integrande do projeto, afirmou ao g1 Ceará que “a única coisa que sustentou a condenação foi o reconhecimento feito pela vítima” – não houve exame de DNA, por exemplo. O reconhecimento foi feito por uma criança de 11 anos, vítima de estupro. Conforme Rahal, a criança se equivocou ao se convencer de que o borracheiro foi o autor do crime.
“Não estamos falando de um reconhecimento feito por má fé. Ela foi vítima de abuso, deve ser uma coisa que deixa marcas muito doloridas. E quando ela viu a foto dele [Antônio], se convenceu que ele era a pessoa que a atacou. No momento em que ela se convence – tem uma tese de direito com psicologia que fala da falta de memória – ela interioriza que foi ele”, ponderou a advogada.
Após o encarceramento por engano do borracheiro Antônio Cláudio Barbosa de Castro pelo estupro de oito mulheres, a Polícia Civil do Ceará identificou, em 2019, o verdadeiro criminoso e pediu a prisão preventiva do homem, que também ficou conhecido como o “maníaco da moto”. A Justiça negou o pedido em julho de 2020.
Ele chegou a ser preso por um ano e dois meses por ter atacado outras duas mulheres quando Antônio ainda estava na cadeia, porém, foi liberado.
Com a ajuda da irmã de Antônio, de uma inspetora policial e de advogados da ONG, Antônio teve a inocência comprovada. No entanto, até os dias atuais o Estado não lhe pediu desculpas.